terça-feira, 27 de abril de 2010

‘Ser vegetariano é respeitar e salvar o planeta que nos permite a vida’


Entrevista com a nutricionista chilena Nelba Villagrán

“É necessário que despertemos, que voltemos a respeitar o nosso planeta e a melhorar a produção. Ser vegetariano é ser ecológico e salvar o planeta que nos permite a vida”, afirma a nutricionista chilena Nelba Villagrán.

Nutricionista pela Universidade de Chile, Nelba Villagrán é, além de engenheira em alimentos, professora na Universidade Finis Térrea, presidenta do Colégio de Nutricionistas Universitários do Chile, especialista no manejo higiênico dos alimentos e presidenta do capítulo chileno da Associação Hispano-americana de Alimentação Natural, Ortomolecular e Anti-Envelhecimento.


Por que é vegetariana?


Sofri uma crise de uma doença auto-imune que se chama episclerite. Após vários diagnósticos que realmente não resolveram nada recorri a um médico naturalista, que me fez deixar de consumir carnes e assumir um tratamento de plantas medicinais. Já se passaram aproximadamente 18 anos. Além disso, tinha uma crise de asma nas primaveras, que solucionei deixando de consumir lácteos. Este tem sido um mundo totalmente contrário ao que se estuda nas áreas científicas de nutrição, mas existe e não podemos deixar de vê-lo. Felizmente, cada dia há mais pessoas que te escutam e isso já é uma grande vantagem.

Quais são os pilares da alimentação que você promove?

A alimentação deve ser integral, com alimentos que não tenham sido polidos, que estejam sendo consumidos da maneira como a natureza os criou, porque a natureza nos deu todos os elementos dentro de um grão completo de arroz, por exemplo, ou um grão completo de trigo. O segundo pilar é consumir a maior parte disto cru, o que for possível, como os vegetais e as frutas. Um alimento vivo é aquele que contém todas as enzimas e para isso tem que estar cru ou levemente cozido num refogado na [panela] wok ou levemente passado no calor sem que tenha perdido todas as suas enzimas, que são a fonte da vida. Por último, este alimento deve ser natural, produzido pela natureza e com o mínimo de processos realizados pelo homem. Estes três pilares oferecem ao ser humano todos os elementos nutritivos que a natureza nos deu.

Quais são os mitos de ser vegetariano?

O principal mito é que os vegetarianos não têm opções para proteínas de boa qualidade, assumindo que as pessoas comem alimentos puros ou monotonamente um único tipo de alimento e desconhecendo que o que comemos são misturas de alimentos, que o que comemos num dia se complementa durante o dia e que o que teríamos que somar são aquelas partículas ou aqueles componentes dos alimentos que vão fazer parte de novas estruturas do nosso corpo. Por exemplo, nós podemos conhecer proteínas que não contenham em si mesmos todos os aminoácidos essenciais, mas se na refeição seguinte ou durante o dia for comer outros alimentos, então vão me trazer um aporte complementar.

Antigamente se dizia que se eu não comer feijões com massas não poderia obter um complemento de lisina e de metionina, que eram deficitários em cada um deles, mas atualmente já se sabe que não é necessário que vão ao prato. Pode ser que durante o dia o complemente com outras verduras, com outros cereais, com outros grãos, mas também se descobriu que há grãos que contêm todos os aminoácidos essenciais, como por exemplo, a quinoa, o amaranto e outros alimentos que ainda não conhecemos e que no nosso caso, que somos países andinos, temos nas culturas andinas alimentos extraordinários, ricos em proteína.

O que a inspira a dar aulas de cozinha vegetariana tanto no Chile como no exterior?

A nutrição não é fabricada nos laboratórios de nutrição nem de bioquímica, mas no laboratório da cozinha de cada casa. Dava-me conta de que as ofertas que havia de cozinha vegetariana eram quase todas orientadas para a cozinha hindu, a cozinha oriental, que não é o que as pessoas comuns comem. E então, quando eu atendia uma família no consultório e esta me dizia “sim, mas como coloco isso em prática”, numa consulta curtinha, de uma hora, pode-se indicar às pessoas todas estas soluções caseiras. Me ocorreu fazer um curso que incorporasse o fundamento científico no elemento gastronômico, e creio que a solução para a orientação nutricional das pessoas passa por uma união entre os profissionais da nutrição e os profissionais da cozinha.

Qual foi a recepção das pessoas que participaram destes cursos?

Muito boa. Por exemplo, o fato de ensinar às pessoas a obter um leite vegetal a partir de amêndoas, a partir do gergelim ou da soja, é algo que acham interessante e que se dão conta de que podem usá-lo como ferramenta.

A alimentação chilena


O que acha da estrutura alimentar dos chilenos? Quais os aspectos que poderiam ser melhorados?

Dizem as autoridades que a população chilena está se alimentando muito melhor porque tem acesso e consome alimentos de maior valor nutritivo em grandes quantidades, equivalente aos países desenvolvidos, vale dizer, carnes. E eu me pergunto: se todos os sinais que os fóruns internacionais de nutrição – que relacionam o alto consumo de carne com a obesidade, com as doenças crônicas degenerativas, com a diabete, com a hipertensão arterial – estão dando, então estamos em trilhos diferentes, estamos transmitindo em sintonias absolutamente divergentes.

Há pessoas que estão comendo meio quilo diário de carne e essas pessoas estão tendo doenças crônicas que nunca vão relacionar com o que comem. Desde o Mal de Alzheimer, a artrite, a artrose e uma série de outras patologias que estão associadas a dietas com altíssimos consumos de alimentos protéicos. O consumo de legumes como feijão, grão-de-bico, lentilha, é irrelevante e são os grãos que são ricos em proteínas e não só isso, mas também elementos de hidrato de carbono saudáveis e alguns fotoquímicos que já são reconhecidos como terapêuticos.

Bom e para que falar dos consumos de vegetais como hortaliças verdes, vermelhas, roxas, alimentos de todos os tipos de cores. A cor, por exemplo, vermelha, dos tomates, está relacionada com o licopeno. O licopeno é um fotoquímico já comprovado que é um preventivo do câncer de próstata. Há algumas cores, como o roxo dos arandos ou de algumas berries, que estão relacionadas também com poderosos antioxidantes antienvelhecimento.

A nutrição, na realidade, é o futuro da saúde e tomara que mais pessoas participem conosco neste conhecimento, porque teríamos menos farmácias. Atualmente, no Chile, há quase uma farmácia em cada quadra. Isso nos indica que a população está cada dia mais doente.

Respeitar o planeta


O que nos recomenda diante dos atuais problemas da mudança climática que estamos vivendo?


A medicina ayurvédica, que é a medicina da vida, diz que o ser humano faz parte do cosmos. Também os chineses relacionam o ser humano não apenas com o planeta, mas também com o universo. E a ciência descobriu que cada átomo que forma o nosso corpo, é cada átomo que forma o planeta e cada átomo que forma também os demais planetas e o universo inteiro. Cada movimento que se faz em alguma parte deste planeta, afeta a vida.

Dados da FAO indicam que 70% da floresta amazônica se converteu em pastos ou em produção de alimentos para animais. 80% da área agrícola nos Estados Unidos é destinada à criação de animais e apenas 7% à produção de alimentos humanos. Acontece que nessa mesma área, por cada quilo de carne produzida, podem ser produzidos 160 quilos de batatinhas ou 200 quilos de tomate. Mais de 70% dos cereais produzidos em países desenvolvidos são destinados à alimentação de animais com a finalidade de produzir carne.

O que produz saúde é a produção de vegetais, mas 80% da produção de soja e 50% da produção de milho é utilizada para alimentar animais ou inclusive como etanol. Estamos utilizando diesel de milho. Para produzir menos de um quilo de frango se requer de 3.000 litros de água que não vão produzir hortaliças. Entretanto, para produzir esta mesma quantidade de alface, necessita-se apenas de 23 galões de água.

É necessário que despertemos, que voltemos a respeitar o nosso planeta e a melhorar a produção. Ser vegetariano é ser ecológico e salvar o planeta que nos permite a vida.

A entrevista está publicada no jornal chileno El Ciudadano, 16-04-2010. A tradução é do Cepat.

Fonte: Ecodebate

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