quarta-feira, 10 de março de 2010

Criação em escala industrial: Uma eterna ‘Treblinka’ animal


Às vésperas da cúpula sobre mudanças climáticas de Copenhague, em dezembro passado, Paul McCartney se apresentou no Parlamento Europeu. Naquela ocasião, fez um discurso em favor da redução do consumo de carne, lembrando o fato bem documentado de que a criação de animais em escala industrial está entre as primeiras causas da emissão de gás carbônico e do aquecimento global.

Meio mundo reagiu, mas com as sobrancelhas levantadas, por causa da aparição de Sir Paul, quando não com aberto escárnio. Fora do parlamento, um grupo do lobby dos criadores de animais organizava um churrasco a céu aberto, com hambúrgueres e salsichas, respondendo com sarcasmo ao discurso do baronês.

Ora, se de um lado pode-se compreender a hostilidade para com o enésimo bilionário famoso que pretende dar lições de ética, de outro lado, esse episódio parece ser um exemplo da reação mais comum a um tema, como o vegetarianismo, simples e pacato, porém, pelo que parece, perturbador.

Como todo vegetariano sabe por experiência, poucos argumentos causam um tal misto de incompreensão, suspeita, ironia apática do que a escolha por não consumir carne. Entre as clássicas objeções movidas a quem não come alimentos de procedência animal, duas estão muito enraizadas, uma ligada à tradição cultural (o homem cria animais desde o início dos tempos), a outra à tradição natural (os animais são comidos por outros animais). Objeções que podiam talvez ter alguma conexão há até um século, quando a criação de animais ainda se baseava em métodos tradicionais e em uma figura de criador que conhecia e respeitava os seus animais.

Hoje, comer carne significa quase sempre consumir os produtos da criação e do abate industriais, gigantescas multinacionais que gerem o nascimento e a morte de bilhões e bilhões de seres vivos. Um sistema cientificamente organizado sobre a dor, a tortura, a manipulação genética, a reclusão em espaços superlotados até a morte por sufocamento, os métodos de morte mais horroríficos.

Uma eterna Treblinka

Parece que Adolf Hitler sofria de estômago nervoso e de flatulência. Quando o ditador descobriu que reduzir a carne tornava menos fedorentas as suas emissões intestinais, tentou privilegiar os consumos vegetais. Na realidade, apesar da lenda de que fosse vegetariano, Hitler nunca abandonou as adoradas salsichas bávaras e outros pratos de carne e sempre foi feroz com os vegetarianos de verdade. Baniu as associações vegetarianas na Alemanha e mais tarde nos territórios ocupados. O pacifista e vegetariano alemão Edgar Kupfer-Koberwitz teve que se refugiar em Paris e depois na Itália, onde foi por fim preso pela Gestapo e enviado a Dachau.

Todos esses são casos que eram lembrados em um ensaio de alguns anos atrás, “Un’eterna Treblinka”, de Charles Patterson (publicado na Itália pela edições Riuniti, 320 páginas). Além de se ocupar dos hábitos alimentares do Führer, Patterson analisa a gênese do modelo de extermínio nos campos de concentração nazistas, chegando a sugerir que esse modelo tinha uma forma de origem comum e numerosas afinidades operativas com o sistema industrial de criação e abate norte-americano.

Cadeia de montagem

Se uma comparação semelhante pode parecer fora de lugar para alguns, deve se lembrar que o primeiro a fazê-la foi, na realidade, Isaac Bashevis Singer: foi, de fato, o autor da Família Moskat que sugeriu que, “para os animais, trata-se de uma eterna Treblinka”, evocando o fantasma do famigerado campo de extermínio.

De outro lado, a eficiente máquina de abate animal já havia inspirado outras empresas. Henry Ford, o industriário dos automóveis, confessou que havia sido a visita a um matadouro de Chicago que lhe deu a ideia para um sistema de trabalho baseado na cadeia de montagem. Nos abates, tratava-se de desmembrar cadáveres animais no menor tempo possível. Nas fábricas, se trataria de montar automóveis em um tempo também veloz.

A tendência a liquidar o vegetarianismo como uma questão reservada a boas almas ou a intelectuais sabichões poderia quase encontrar confirmação, em um primeiro olhar superficial, diante de um texto recém publicado na Itália: “Se niente importa. Perché mangiamo gli animali?” [Se nada importa. Por que comemos os animais?], de Jonathan Safran Foer (Ed. Guanda, 368 páginas).

Eis um jovem e famoso escritor norte-americano, com residência em uma bonita quadra do Brooklyn, que, com o nascimento do primeiro filho, deixou-se tomar por angústias burguesas sobre o que seria justo dar-lhe de comer e se colocou a escrever uma investigação-reflexão sobre o mais controverso dos alimentos: a carne. Poderia soar assim a história do livro. Não fosse pelo fato de que Foer é um escritor autêntico, ou seja, movido por um senso de plena necessidade e capaz de se imergir no tema com uma profundidade estilístico-literária que corresponde a uma profundidade de análise filosófica, de ressonância metafórica, de envolvimento emotivo.

Fruto de três anos de trabalho, impecavelmente documentado, muito irônico, de modo a evitar os tons de uma lição de moral e muito dramático, chegando a provocar tremores de desconforto abissal, o livro causou barulho nos Estados Unidos, um misto de comentários entusiasmados e muito hostis.

Na Itália também, vários resenhistas preferiram levantar um muro de ceticismo, tratando o livro como o enésimo caso de choque entre os castelos no ar dos vegetarianos e o realismo dos carnívoros, os quais, pelo contrário, estariam comprometidos a pensar em questões mais sérias. Com notável desonestidade crítica, a jornalista literária mais irritante dos Estados Unidos, Michiko Kakutani, do New York Times, liquidava o livro perguntando por que Foer não se dedicava a causas melhores.

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